Fábio Luís Engleitner
Não há dúvida que existe a necessidade de se buscar constantemente a melhoria da qualidade do transporte público. Nas últimas décadas, maior ênfase foi dada à melhoria da frota. Hoje em dia, os veículos são inquestionavelmente melhores que os seus antecessores. Entretanto, muito pouco foi feito para melhorar a operação dos sistemas de ônibus, principalmente porque a tecnologia para isso não era disponível ou acessível. Atualmente, isso não é mais verdade. Diversas cidades do mundo apresentam casos exemplares no emprego da tecnologia para a operação do transporte. Temos aqui no Brasil todos os elementos para fazer o mesmo
Nos anos 90, surgiu um movimento no hemisfério norte denominado ITS - “Intelligent Transportation Systems”. O ITS trata da aplicação de soluções tecnológicas avançadas para a modernização dos sistemas de transporte. Exemplos de ITS para o transporte público são: o sistema de arrecadação eletrônica, o sistema inteligente de planejamento de transporte (planejamento da rede, programação horária), o sistema de controle operacional on-line e o sistema de informação ao usuário (que fornece de informações detalhadas para o planejamento da viagem do passageiro, com origem/destino e horários dos ônibus pela Internet ou telefone, previsão de chegada em painéis nos pontos de ônibus, etc.).
Genericamente chamados de AVM - “Advanced Vehicle Monitoring”, os sistemas de rastreamento de ônibus ou controle operacional on-line são compostos por dispositivos eletrônicos para localização da frota, um meio eletrônico para a transmissão desses dados ao CCO (Centro de Controle Operacional) da empresa, computadores e um software para o tratamento desses dados em tempo real, comparando os eventos reais com os programados. Os AVM se dividem em duas categorias básicas: o AVI - “Advanced Vehicle Identification” e o AVL - “Advanced Vehicle Location”.
O sistema AVI, de identificação de veículos, utiliza um aparato fixo que identifica a passagem de um veículo nas suas proximidades. Soluções existentes empregam antenas instaladas no solo (os laços indutivos) ou detectores de sinal fixados em postes, associados a dispositivos instalados nos veículos a serem detectados, estes podendo ser bobinas eletromagnéticas (os “transponders”), emissores de rádio frequência (os chamados “tags”) ou emissores de infravermelho.
O sistema AVL, de localização de veículos, por sua vez, utiliza um equipamento a bordo, que junto com um sistema de sinalização sem fio, identifica a sua posição. O GPS - “Global Positioning System” é a tecnologia predominante na atualidade. Utiliza um sistema de posicionamento mundial formado por satélites que orbitam ao redor do planeta, transmitindo sinais de rádio codificados. Aparelhos receptores instalados nos veículos recebem esses sinais e determinam a posição do veículo sobre a superfície da Terra, com extrema precisão.
Em ambos os casos, a transferência dos dados para o CCO é um aspecto a ser encarado com cuidado, pois envolve custos razoáveis. No caso do AVI, linhas telefônicas dedicadas ou cabos de fibra óptica têm sido o meio normalmente empregado. No caso do AVL, a telefonia celular tem sido a solução mais largamente utilizada, possibilitada pelo uso de um protocolo de transmissão de dados, sendo o padrão mais conhecido o GPRS - “General Package Radio Service”, fornecido pelas operadoras de telefonia celular que empregam a tecnologia GSM.
Os sistemas de AVI tradicionais apresentam como vantagem o baixo custo unitário, por veículo, vantagem essa anulada, em grande parte, pelo alto custo das unidades de leitura - as antenas - instaladas nas vias públicas. Outra desvantagem é a escassez de informação associada à detecção, pois a única informação enviada do veículo para o leitor é o número de identificação do tag. Existe a possibilidade de se acoplar o tag a um painel de controle manipulado pelo motorista do veículo, de modo a fornecer o conjunto mínimo de informações para dar confiabilidade ao sistema de controle, contudo, ainda não se conhece uma aplicação real com essa configuração.
Os sistemas de AVL baseados em GPS apresentam como vantagem a facilidade da instalação, pois não necessitam de infraestrutura física para seu funcionamento, bastando a instalação dos equipamentos a bordo. Outra forte vantagem é a possibilidade de bidirecionalidade na comunicação entre o motorista e o CCO, além de recursos como o botão de pânico, graças à presença da placa de telefonia celular para a transmissão de dados. Tem como desvantagem o custo elevado do equipamento embarcado, uma vez que há a necessidade de se adquirir equipamento para a frota toda. Outra grande desvantagem pode ser o custo da transmissão de dados da frota ao CCO.
A solução de AVL baseada em GPS apresenta as seguintes vantagens: (1) Automatização total do processo de detecção do posicionamento veicular; (2) Redução de fiscais (despachantes) nos pontos terminais das linhas, acessível para qualquer tamanho de frota, custo praticamente independente da quantidade de pontos controlados; (3) Bidirecionalidade na comunicação com o veículo, enviando e recebendo mensagens entre o motorista e o CCO.
Na tabela abaixo apresentamos um resumo do comparativo entre tecnologias existentes para o rastreamento de ônibus urbano.
Tipo | AVI/Antena | AVL/GPS |
---|---|---|
Custo/ônibus | Baixo | Alto |
Custo fixo | Alto | Zero |
Custo comunicação | Baixo | Médio |
Instalação/implantação | Alto | Médio |
Custo manutenção | Alto | Médio |
Custo total proporcional | Pontos de controle | Frota |
Dados de detecção | Pobres | Completo |
Bidirecionalidade | Não | Sim |
Consultas em campo | Nâo | Não |
Tecnologia | Desuso | Crescimento |
Os indicadores de desempenho são os instrumentos para medir a eficiência da operação da frota. Acompanhando-os é possível verificar se as ações tomadas para melhorar a operação estão surtindo o efeito desejado. Também auxiliam na identificação de quais linhas ou pontos de controle estão com grau de eficiência abaixo do satisfatório e demanda um esforço para melhorá-los. Entre os principais indicadores de um sistema de controle operacional de transporte urbano, destacam-se:
Os benefícios da utilização de um sistema de rastreamento no transporte público são enormes. Parte deriva do melhor acompanhamento em tempo real da operação levando a uma melhor aderência à programação, confiabilidade do serviço, pontualidade, melhor distribuição do volume de passageiros entre os carros, e uma melhora geral da qualidade do serviço sob o ponto de vista do usuário.
Há ganhos, também, do ponto de vista da empresa operadora, incluindo a possibilidade de redução dos tempos de parada nos pontos terminais e tempo de viagem com a consequente redução das horas de motorista e de veículo, ganhos de produtividade para o pessoal de fiscalização, e o fornecimento de dados operacionais para o planejamento, como o carregamento de passageiros e tempos de percurso por trecho.
A velocidade operacional é o maior determinante da eficiência operacional. Um caso entitulado “The Chicken or the Egg” (O Ôvo ou a Galinha) apresentado no congresso norte-americano da APTA – American Public Transit Association, em 2001, relata uma experiência feita em Melborne, na Austrália. Partindo da premissa que o tempo programado condiciona o tempo efetivamente realizado, impedindo que o mesmo se reduza, foi feita uma análise detalhada, cruzando-se dados de tempos de trecho, a partir de uma enorme base de dados obtidos por AVL. Foram então estabelecidos tempos mais adequados, enxugando os excessos, gerando um aumento da pontualidade da ordem de 25% das viagens.
Um caso semelhante no Brasil é o do Conorte – Consórcio Operacional Norte de Porto Alegre, que utilizou os dados de tempos de trecho obtidos por um sistema AVI para a estimativa dos tempos de viagem para programação, obtendo ganhos significativos de redução de horas de motoristas. Quando os tempos de viagem de diversas linhas de ônibus eram comparados, verificava-se a existência de linhas trafegando nos mesmo trechos, com tempos sistematicamente superiores aos da média, tornando-se possível reduzi-los através da programação horária.
O relatório “Advanced Vehicle Monitoring and Communication Systems for Bus Transit”, elaborado pelo Federal Transit Administration, em março de 1993, traz uma coletânea de casos estudados, de implantação de sistemas de rastreamento para ônibus urbano, nos Estados Unidos, Canadá e Europa, nas cidades de Seattle, Los Angeles, Cincinnati, Toronto, Quebec, Halifax, Dublin e Torino. Interessante observar que são exemplos dos primeiros sistemas de ônibus a empregar sistemas de controle operacional, nas décadas de 70 e 80. Foram reportados ganhos na ordem de 3% a 4% em redução da frota, redução da quilometragem, redução das horas de motoristas, aumento da receita, maior satisfação dos passageiros e melhoria da imagem.
Os softwares representam o “Calcanhar de Aquiles” dos sistemas automatizados. Tem sido assim com os sistemas de bilhetagem eletrônica e não é diferente no caso do sistema de controle operacional on-line. Esse é um dos motivos pelo qual os sistemas desenvolvidos para o rastreamento de caminhões não podem ser utilizados diretamente em empresas de ônibus. Enquanto que na carga o objetivo maior é a segurança da carga e a localização geográfica do veículo para a roteirização de carga e descarga, no transporte público, o objetivo maior é a detecção de desvios na programação horária. Outra diferença significativa é que enquanto que no transporte de carga os veículos estão geograficamente espalhados, no transporte de passageiros os veículos estão praticamente juntos, trafegando sobre a mesma rota gerando um volume de viagens muito maior que os feitos pelos caminhões. Um software de controle operacional para transporte urbano deve trabalhar pela exceção, destacando as irregularidades detectadas e gerando relatórios extremamente peculiares ao tipo de negócio.
Algumas características importantes desse tipo de software são: a visualização comparativa de horários programados, por linha e ponto de controle, o controle da soltura da frota, dos headways (intervalos entre partidas), do carregamento de passageiros, e os alertas para os principais indicadores de desempenho como cumprimento de viagem, headway, soltura da frota, pontualidade, configuráveis por linha e tipo de ocorrência. O software deve também dispor de um eficiente gerador de relatórios para análise de desempenho e apuração de tempos de viagem. Por fim, um bom sistema de rastreamento deve ser capaz de respeitar as características de operação da empresa, como operação multilinha, operação de linhas sincronizadas etc.
O aparato tecnológico composto por hardware e software tem a função única de fornecer informação para as pessoas. O preparo, a capacidade e a vontade de usá-la são ingrediente essencial para o sucesso do projeto. Espera-se que o controlador do CCO possa elaborar planos para o pronto reestabelecimento da normalidade da operação e, também seja capaz de transmitir instruções corretas diretamente aos responsáveis em campo. Deve existir um conjunto claro de procedimentos que devem ser seguidos quando uma situação não desejada é encontrada. Com o tempo e com a adequada supervisão, esses procedimentos são repassados para os motoristas e fiscais, melhorando sucessivamente sua participação na manutenção de níveis altos de serviço, bem como nas ações corretivas.